Judicialização do mercado imobiliário é discutida em seminário no STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sediou nesta terça-feira (17) o seminário Judiciário e Mercado Imobiliário: Um diálogo necessário sobre vÃcios construtivos, evento promovido pelo Instituto Justiça & Cidadania, com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), da Associação dos JuÃzes Federais (Ajufe) e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Os debates foram transmitidos pelo YouTube.
Na abertura, o presidente do STJ e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins, defendeu que o Poder Judiciário priorize a promoção da segurança jurÃdica para alavancar a retomada econômica do paÃs no pós-pandemia. "Não existe sociedade desenvolvida e fomentadora de negócios sem segurança jurÃdica", declarou.​​​​​​​​​
Em seu discurso, o ministro destacou que a atração de investimentos e de capitais depende da previsibilidade e da coerência das decisões judiciais. Segundo ele, o Tribunal da Cidadania exerce importante papel na garantia da segurança jurÃdica para os negócios imobiliários."São os direitos civil e consumerista os mais relevantes nessa senda, cabendo ao STJ dar a última palavra sobre esses temas, uniformizando a interpretação e a aplicação desses direitos no Brasil", disse.
Presente à abertura, o presidente do Conselho JurÃdico da CBIC, José Carlos Gama, afirmou que a judicialização em matéria imobiliária prejudica não apenas o desempenho do setor, mas tem impactos também em toda a conjuntura social e econômica do paÃs.
"Queremos impedir que as pequenas e médias empresas sérias – que geram emprego, renda e tributos – possam entrar em recuperação judicial como resultado da canalização de seus recursos para escritórios de advocacia", declarou o dirigente.
Legislação e jurisprudência sobre vÃci​os construtivos
O painel inicial abordou o panorama dos vÃcios construtivos sob a ótica do STJ. A mediação ficou a cargo do ministro Moura Ribeiro, que ressaltou o caráter histórico da temática imobiliária ao lembrar que o direito de propriedade conta com previsão legal desde o Código de Hamurabi.
Primeiro palestrante, o ministro Villas Bôas Cueva discorreu sobre os entendimentos da corte superior em diversas questões relacionadas aos vÃcios construtivos, como o prazo prescricional para a cobertura securitária, a reparação por danos morais e a responsabilização da Caixa Econômica Federal (CEF).
De acordo com Villas Bôas Cueva, essas discussões, apesar de recorrentes no STJ, são permeadas por divergências jurisprudenciais: "O tema é tão velho quanto o direito civil e já deveria estar pacificado, mas ainda há várias arestas pendentes. Espero que em breve, no âmbito da Segunda Seção, possamos uniformizar o entendimento do tribunal a respeito".
Completaram o primeiro painel o professor de direito e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Sergio Cavalieri Filho, e o advogado e autor de obras jurÃdicas na área da construção civil Carlos Pinto Del Mar.
Em sua exposição, Del Mar sustentou que as decisões judiciais devem dar à s construtoras a oportunidade de reparar eventuais falhas estruturais. Por sua vez, o professor Cavalieri tratou da evolução histórica da distinção normativa entre os conceitos de vÃcio e defeito, para fins da configuração da responsabilidade civil de empresas do ramo imobiliário pela solidez e segurança dos imóveis.
Elevado volume de processos de n​​​atureza habitacional
No segundo painel, os participantes avaliaram o cenário atual de judicialização das demandas habitacionais. Mediador dos debates, o ministro Mauro Campbell Marques enfatizou a dimensão social do seminário em meio ao quadro de déficit habitacional do paÃs.
Em sua palestra, o ministro Antonio Carlos Ferreira falou sobre a jurisprudência dos tribunais brasileiros no tocante à s controvérsias em torno da alienação fiduciária e dos efeitos da recuperação judicial sobre o regime jurÃdico do patrimônio de afetação. Ele também defendeu o aprofundamento do diálogo entre os diferentes atores da construção civil.
"O Código de Processo Civil permite a participação de representantes do setor da construção civil e dos consumidores como amicus curiae, de modo a contribuir para o intercâmbio de conhecimentos técnicos e de distintos pontos de vista", frisou.
Também estiveram no segundo painel o juiz federal César Bochenek, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), e o diretor jurÃdico da CEF, Gryecos Loureiro. Os dois palestrantes teceram considerações a respeito do que classificaram como uma "indústria de ações" no campo habitacional.
Sobre o fenômeno, eles comentaram ocorrências como a produção de petições iniciais padronizadas e de laudos genéricos sem comprovação, com o intuito de angariar clientes nas camadas sociais de menor renda.
Caminhos para a desjudicialização do setor imobil​​iário
O último painel do seminário foi mediado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O primeiro expositor foi o secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), juiz federal Valter Schuenquener, que falou sobre as iniciativas do conselho para incentivar a desjudicialização das demandas imobiliárias.
O magistrado destacou três frentes de atuação: evitar a judicialização, apostar em plataformas digitais de negociação, como o consumidor.gov.br, e obrigar tribunais a terem plataformas de mediação. "O ideal é que o Judiciário só atue naquilo que as partes não conseguem resolver", comentou.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Cesar Cury disse que, no último ano, o tribunal estadual teve mais de três mil processos apenas em segundo grau de jurisdição sobre temas conhecidos do mercado imobiliário, em relação aos quais já existe entendimento pacÃfico e não há "qualquer perspectiva de mudança na orientação, mesmo considerando que a jurisprudência é dinâmica".
Para ele, é preciso agir na origem dos conflitos e pensar estratégias inovadoras, como a adoção de uma tabela de custas diferenciada para quem procurou conciliar antes de ingressar com a demanda judicial.
Judicialização no custo das em​​presas
Por fim, o conselheiro do Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia e vice-presidente de Habitação de Interesse Social da CBIC, Carlos Henrique Passos, abordou os procedimentos que as construtoras devem seguir do inÃcio ao fim das obras, e reforçou que a certificação é anual e rigorosa.
Segundo Passos, as incertezas jurÃdicas afetam o comportamento das construtoras, que têm de conviver com a perspectiva de uma possÃvel judicialização da obra. O simples fato de a demanda ser judicializada – afirmou –, em muitos casos, "já significa a condenação da empresa", tendo em vista custos com perÃcias e outros impactos.
O encerramento do seminário coube ao ministro Luis Felipe Salomão, que ressaltou alguns dos pontos abordados pelos expositores. Ele elogiou a qualidade jurÃdica dos debates e destacou o papel fundamental do setor da construção civil na economia nacional.
Para o ministro, a evolução da jurisprudência do STJ sobre o assunto revela "uma curva ascendente no tratamento de diversas matérias, em uma tarefa muito importante e pouco conhecida".
Salomão corroborou os comentários do ministro Humberto Martins quanto à atuação do STJ na tarefa de proporcionar segurança jurÃdica ao setor, algo que ganha ainda mais relevância em um cenário de recuperação econômica pós-pandemia.​​