Especialista em direito penal, Teodoro Silva Santos defende olhar social para evitar arbítrio em comunidades pobres

Especialista em direito penal, Teodoro Silva Santos defende olhar social para evitar arbítrio em comunidades pobres

O ministro Teodoro Silva Santos, que participou nesta semana de sua primeira\r\nsessão de julgamento como membro da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), construiu uma carreira voltada especialmente para o sistema criminal e para o direito penal. Nascido em Juazeiro do Norte (CE), ele foi delegado de polícia em Rondônia, membro do Ministério Público do Ceará por 18 anos e, a partir de 2011, desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).

Paralelamente a essas funções, o novo ministro do STJ – que é doutor em direito constitucional – atuou como professor por mais de 30 anos. Entre outros livros, é autor de O juiz das garantias sob a óptica do Estado Democrático de Direito, que deve ganhar nova edição no próximo ano.​​​​​​​​​

Teodoro Silva Santos tomou posse como ministro do STJ no último dia 22.

Para Teodoro Silva Santos, as recentes decisões do STJ na esfera criminal – em temas como o reconhecimento fotográfico e as revistas pessoais – contribuíram para equalizar as investigações criminais com os direitos individuais, sobretudo das pessoas mais pobres. Segundo ele, no caso de operações em comunidades periféricas, o Estado deve agir com "cautela redobrada", coibindo casos de arbítrio e violência.

"Cabe aos governantes e a nós, enquanto sociedade, lutarmos contra a criminalização da pobreza e das periferias. As comunidades periféricas são espaços onde direitos e garantias fundamentais devem ser igualmente observados e respeitados, mediante uma atuação horizontal e universal do Estado", avalia.

No STJ, ele assumiu a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Jorge Mussi, em janeiro deste ano.

Confira, a seguir, a entrevista do novo ministro.

O senhor foi desembargador do TJCE desde 2011 e, antes, exerceu vários outros cargos, como o de promotor e o de procurador. Como a experiência nessas funções vai contribuir para sua atuação no STJ?

Teodoro Silva Santos – Por ter passado por vários cargos e funções das mais diversas áreas do poder público – desde a função de investigar e acusar até a de julgar –, isso me possibilitou uma ampla vivência em todo o sistema de justiça. Espero que essa visão multidisciplinar dos diferentes papéis dos órgãos estatais faça com que eu consiga me apropriar com maior facilidade das necessidades de todos aqueles que precisam e buscam o Judiciário para terem os seus direitos garantidos.

Apesar dos esforços recentes para diminuir o estoque de processos, a exemplo dos recursos repetitivos e do filtro de relevância, o STJ ainda precisa lidar com a questão da elevada quantidade de ações que aportam no tribunal. Para o senhor, seriam necessários outros mecanismos – no âmbito legal ou em outro nível – para tratar desse problema?

Teodoro Silva Santos – A meu ver, a questão de acervo processual perpassa por uma abordagem e uma visão que vão para além do que está posto nas normas em si. Nesse sentido, vejo como grandes aliados dos julgadores, por exemplo, as decisões monocráticas e os julgamentos em bloco, bem como o aperfeiçoamento na gestão de pessoal e de processos, além do uso da tecnologia para auxiliar em situações mais objetivas e repetitivas.

O senhor tem formação e atuação profissional voltadas especialmente à área criminal, tema em que o STJ teve precedentes importantes nos últimos anos, a exemplo dos procedimentos para reconhecimento pessoal e fotográfico, dos limites para a abordagem pessoal e das questões relacionadas à atuação policial em comunidades mais pobres. O senhor poderia comentar o impacto e a relevância desses precedentes?

Teodoro Silva Santos – O STJ tem demonstrado uma preocupação crescente em estabelecer critérios objetivos (standards probatórios) para a atuação policial e a investigação criminal, a fim de evitar arbítrios dos agentes do Estado, o que é muito louvável. Certamente, este é um dos fatores que mais me alegram em fazer parte do Tribunal da Cidadania, de modo que espero poder contribuir para a consolidação de uma jurisprudência nacional garantista, mas que, ao mesmo tempo, permita a punição dos culpados.

Sobre o reconhecimento pessoal e fotográfico, ainda que seja um meio de prova bastante relevante, pode, por vezes, ser falho, haja vista que muitas das vítimas e/ou testemunhas ainda estão emocionalmente abaladas com o evento criminoso, o que acaba por mitigar a própria capacidade de discernimento e rememoração, para além de outros fatores externos que acabam por impactar na identificação criminal (pouca ou ausência de luminosidade, rapidez com que a infração foi cometida, uso de disfarces ou objetos que dificultam na visualização do infrator etc.).

No tocante às operações em comunidades mais pobres, impõe-se uma cautela redobrada, uma vez que não podem, de modo algum, serem vistas como espaços propícios a arbítrios e violências – ainda mais institucionais. Ao contrário, cabe aos governantes e a nós, enquanto sociedade, lutarmos contra a criminalização da pobreza e das periferias. As comunidades periféricas são espaços onde direitos e garantias fundamentais devem ser igualmente observados e respeitados, mediante uma atuação horizontal e universal do Estado.

Apesar das sucessivas reformas e atualizações, as duas principais leis que regem o sistema penal brasileiro (o Código Penal e o Código de Processo Penal) foram editadas na década de 40. O senhor acredita ser necessário um novo marco legal em matéria penal no Brasil ou as atualizações legislativas desses diplomas são suficientes?

Teodoro Silva Santos – Temos uma legislação que vem se modernizando e se amoldando bem às novas realidades sociais. O mais importante é a mudança da mentalidade inquisitiva em nossa cultura jurídica. Ademais, temos que ter muita cautela com as legislações penais simbólicas, que, por vezes, são normas criadas para dar uma espécie de resposta à sociedade, mas sem análise e debates mais aprofundados.

De todo modo, a estrutura do Código de Processo Penal de 1941 ainda não está totalmente alinhada com os ditames de um modelo processual acusatório, de viés garantista e democrático, como é sugerido pelo sistema de direitos fundamentais estabelecido na Constituição de 1988. O Código Penal de 1940, por sua vez, está desatualizado frente ao princípio da fragmentariedade (intervenção mínima), ao punir condutas inofensivas que poderiam ser facilmente resolvidas nas searas civil e administrativa, e aos recentes crimes cibernéticos.

Na opinião do senhor, quais são os principais desafios a serem enfrentados pelo STJ nos próximos anos, tanto do ponto de vista judicial quanto institucional?

Teodoro Silva Santos – Acredito que as inovações tecnológicas, em especial o uso da inteligência artificial (IA), devem ser o foco da Corte Cidadã, uma vez que as ferramentas de IA não abarcam só questões relacionadas à propriedade intelectual e ao uso de imagem, mas também ao processamento de dados. Porém, não se pode olvidar que, sendo bem utilizada, é um instrumento que pode auxiliar – e muito – o STJ a lidar, inclusive, com os desafios relativos à redução de acervos processuais e às atividades de gestão em si – como a criação e a automatização de atos ordinatórios das secretarias judiciais.

A Constituição completou 35 anos no mês passado. Muita coisa mudou para melhor nesse período, mas ainda há muito por fazer. Na sua opinião, qual o ponto em que o Brasil mais tem falhado na tarefa de tornar os direitos da Carta de 88 uma realidade concreta para a população?

Teodoro Silva Santos – Acredito que há, ainda, um distanciamento muito grande da massa da população dos debates e da participação efetiva na construção de políticas públicas, sobretudo do orçamento público. Creio que, como Constituição Social que é, não podemos deixar de olhar para as peculiaridades de um país de proporções continentais e com uma enorme desigualdade social. Dessa forma, dar às classes mais necessitadas maior protagonismo quando da gestão pública é um passo crucial. Mas, essa inclusão tem que ser efetiva, participativa, e não meramente simbólica. É papel do Estado chegar na população, não o contrário.

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